Celso Geraldo Tucci[4]
Qual a influência de compartilhar visões de futuro num projeto de desenvolvimento local
As ideias deste texto tiveram um grande impulso quando li o livro A ordem do tempo do físico italiano Carlo Rovelli. No capítulo 3, “O fim do presente” discute a ideia de que o tempo depende do movimento e portanto “não existe um tempo comum a diversos lugares, como também não existe sequer um tempo único num só lugar.”
Essa é uma discussão acalorada nos campos da física e da filosofia, mas que está muito presente, pelo menos em nossa percepção, no trabalho com comunidades quando percebemos um vai e vem às vezes incompreensível especialmente quando trabalhamos com “visão de futuro”.
Silvio Meira, físico brasileiro e importante divulgador científico tem um texto muito bom que pode ser acessado em seu site[1] onde ele fala especificamente da dos problemas que a falta de visão de futuro provoca no mundo dos negócios. A mim não me pareceu muito diferente do campo do desenvolvimento social.
No site citado ele escreve “o presente é uma máquina de consumir possíveis futuros”, me parece claro, o futuro vai se transformando em presente a medida que o “tempo passa”, acrescenta ainda que “quando um possível futuro é consumido pelo presente ele se torna realidade e logo se transforma em realizado” portanto passado. Escreve Meira que o futuro é um lugar de “infinitas possibilidades” e como, a maioria das empresas não tem consciência de que está consumindo o futuro e sem um mínimo de planejamento “funcionam no modo zumbi”.

Também seria assim na vida cotidiana? Uma localidade que não se planejasse poderia se transformar em uma comunidade zumbi? Primeiro vamos entender o sentido comum, dicionarístico, de futuro.
Conforme definição do dicionário futuro é “o tempo que virá” ou “tempo verbal utilizado para indicar fatos certos ou prováveis a ocorrer em momento posterior ao que se fala”[2]
Passado é o “tempo anterior ao presente; tudo o que ocorreu nesse tempo” (Dicionário online Caldas Aulete)
Presente é o tempo atual em oposição ao passado e o futuro.
Ou seja, o que já aconteceu está no passado, e o que acontecerá está no futuro, ambos tem alguma existência, ou porque já foi ou porque virá, caberá assim ao presente o papel de ser o portal entre o que já foi e o que ainda não foi… portanto sua existência não pode ser comprovada por não armazenar nem o passado nem o futuro. É fugaz!!!!

Carlo Rovelli, em seu livro “A ordem do tempo”[3] fala nos cones de luz futura e luz passada, apontando que todos vivemos na interseção de cones de luz, nos quais o futuro vem em nossa direção e temos um presente que dura nano segundos e produz passado quase imediatamente. Veja a ilustração a seguir.
Roveli faz uma comparação interessante com as árvores genealógicas, veja o que escreve: “Cada evento tem o seu passado, o seu futuro, e uma parte do universo nem passada nem futura, assim como todo ser humano tem antepassados, descendentes, e outros que não são nem uns, nem outros” (Rovelli, 2018, p. 46)
O futuro não pode ser agora conforme alguns insistem afirmar… o futuro é o futuro e está além do presente e o ser humano não consegue realizar qualquer coisa fora do presente, embora o presente dure nano segundos.

Então para que serve o futuro? É neste lugar inatingível que colocamos nossos anseios, nossos desejos, etc.
Mais, o futuro é construído na mente de cada pessoa, e para que seja possível desenvolve-lo são necessárias ações no presente, que é fugaz, para conectar os cones de luz futura das pessoas que sonham com futuros comuns.
Como as possibilidades de futuro são infinitas, ou seja, um grupo por maior e mais capacitado que seja não conseguirá prever todas as possibilidades contidas nos cones de luz futura, terá que compartilhar visões de futuro isto ampliaria as possibilidades de construção de futuros compartilhados, ou cenários comuns.
No dizer de Meira, “consumir possíveis futuros” ou consumir desejáveis futuros.
Aristóteles afirmava que o “tempo é a medida da mudança”, assim “toda a evolução da ciência indica que a melhor gramática para pensar o mundo é a da mudança, não a da permanência. Do acontecer, não do ser” (Rovelli, 2018, p. 80).
Assim o mundo não seria feito de coisas, mas de eventos; mesmo “a pedra mais sólida é na verdade uma complexa vibração de campos quânticos; uma interação momentânea de forças” (Rovelli, 2018, p. 80).
Pensar o mundo como feito de coisas leva a pensar na constituição das “coisas” feitas de átomos que são feitos de outras partículas menores, que não passam de vibrações efêmeras de um campo.
“O que funciona é pensar o mundo como uma rede de eventos. Alguns mais simples e outros mais complexos que podem ser decompostos em combinações de eventos ainda mais simples. Alguns exemplos: uma guerra não é uma coisa, é um conjunto de eventos. Um temporal não é uma coisa, é um conjunto de acontecimentos. Uma nuvem acima de uma montanha não é uma coisa, é a condensação da umidade do ar à medida que o vento sobe a montanha. Uma onda não é uma coisa, é uma movimentação de água, a água que dá forma a ela é sempre diferente. Uma família não é uma coisa, é um conjunto de relações, acontecimentos, sentimentos. E um ser humano? Com certeza não é uma coisa, é um processo complexo, em que – como as nuvens acima da montanha – entram e saem ar, alimento, informações, luz, palavras, e assim por diante… Um nó de nós em uma rede de relações sociais, de processos químicos, de emoções trocadas com seus semelhantes. (Rovelli, 2018, p. 82)
Portanto a construção de um desenvolvimento local só seria possível ao ampliar a capacidade de pensar que os cones de luz futura, de cada pessoa envolvida, poderiam acessar as possibilidades existentes no cone de luz futura dos participantes do processo de desenvolvimento local, assim construindo uma nova rede de relações sociais de um determinado território. A conclusão que podemos chegar é que o desenvolvimento comunitário só será possível a partir do despertar das potencialidades individuais e do compartilhamento dessas potencialidades, e aqui chegamos ao ponto já apontado por Gandhi, “seja a mudança que quer ver no mundo! E isto exige muito foco.
Referências
[1] Disponível em https://silvio.meira.com/silvio/criar-um-tempo-para-o-futuro/ acessado em 01/06/2022.
[2] https://aulete.com.br/futuro
[3] Rovelli, Carlo. A ordem do tempo. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

[4] Celso Geraldo Tucci
Mestre em Ciência, tecnologia e sociedade pela UFSCar
Trabalha com projetos de transformação educacional.
Criador do modelo OPTHI®️ para resolução de problemas complexos
Contato: Celsotucci.blogspot.com